Escravidão humana
Mundo Cristão
Publicado em 31/05/2023

"Eu fiquei no porão 9 meses e 28 dias", conta Luana Maciel, 39, sobrevivente do tráfico internacional de pessoas. Mulher, negra e vítima de violência doméstica, ela viu na oportunidade de trabalho oferecida por um conhecido a chance de melhorar de vida. Mas não foi o que aconteceu com ela e com muitos outros brasileiros traficados nos últimos anos.

De acordo com boletim do Ministério da Saúde, de 2011 a 2019 foram registrados no Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) 1.302 casos de tráfico de pessoas, e a pasta acredita que a pandemia agravou a situação, uma vez que aumentou a vulnerabilidade socioeconômica.

Outro levantamento, realizado por meio de uma parceria entre a OIM (Organização Internacional para as Migrações), o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e a Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ajuda a compreender melhor alguns aspectos do crime.

Os pesquisadores analisaram 144 ações penais com decisão em segunda instância e descobriram que a média de duração dos processos de tráfico internacional é de dez anos, dez meses e 16 dias. "É um absurdo", critica Lívia Miraglia, professora da UFMG e uma das coordenadoras do estudo.

Das 714 vítimas listadas nos processos, 688 eram mulheres e 31 tinham menos de 18 anos. O principal destino das vítimas era a Espanha, seguido por Portugal, Itália, Suíça, Suriname, Estados Unidos, Israel, Guiana, Guiana Francesa, Holanda e Venezuela, e em 97,22% dos casos a finalidade do crime era a exploração sexual.

"Os traficantes trabalham principalmente com as redes sociais. Postam fotos da menina bonita que foi trabalhar fora e está vivendo uma vida luxuosa, e isso seduz as vítimas", diz a pesquisadora.

No caso de Joana (nome fictício), 29, o crime foi cometido por um casal de fazendeiros de Oklahoma (EUA). Após se candidatar a uma vaga para gerente de loja anunciada em um site de emprego, ela foi contatada pela dupla e passou cerca de três meses fazendo chamadas de vídeo para alinhar a viagem, realizada no fim de 2017.

O contato prévio com o criminoso, mesmo que pela internet, cria certo nível de confiança, e a vítima acredita nas promessas falsas, o que configura fraude. "Geralmente, as vítimas conhecem os autores e acabam confiando. Elas tentam sair de uma situação de vulnerabilidade, pobreza e sofrimento para buscar uma situação melhor e são enganadas", diz o promotor de Justiça Arthur Pinto de Lemos Junior, Secretário Especial de Políticas Criminais no Ministério Público de São Paulo.

Maciel também confiava no homem que lhe ofereceu emprego nos Estados Unidos. Ela o conheceu quando trabalhava como atendente no consulado americano em Brasília e ele chegou a participar de confraternizações de sua família. Assim, quando surgiu o convite para atuar em um escritório na Flórida, não houve suspeitas.

Após duas viagens pagas pelos recrutadores para conhecer o prédio em que ia morar e a escola em que as filhas iam estudar, Maciel se mudou em 2013 com as duas meninas, uma amiga que também trabalharia no escritório e o filho dela. 

Ela e a amiga esperaram por 40 dias o término das "obras no escritório" para que pudessem começar a trabalhar, mas passado esse tempo o que ocorreu foi a mudança do contratante para o apartamento em que elas e os filhos estavam. 

Vítima de ameaça, Maciel decidiu pedir ajuda a outro homem que havia conhecido no consulado e ele levou o grupo para a casa do pai, onde ela e a amiga foram forçadas a trabalhar como faxineiras e babás. As crianças iam para a escola, mas eram ameaçadas de morte e, com medo, não contavam nada.

 

Ficávamos no porão e só podíamos subir com a permissão dele. Não podíamos sair sozinhas, falar com vizinhos ou chegar perto das janelas. Ele guardava os nossos passaportes e o cartão de crédito da minha amiga.

Luana Maciel
Sobrevivente de tráfico humano

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